Tuesday, April 11, 2006

Diálogos entre gente do mesmo sangue

"Acreditas em Deus, Scarlet?", perguntou Mr Brown à filha enquanto esta lhe enchia o copo com vinho. "Deus?". Mrs Stone falava de Deus de vez em quando. Ora sussurrando umas palavras tão antigas e bonitas como o vento, ora depositando Nele uma confiança que não a via depositar em mais ninguém. Também a propósito de Deus a velha senhora lhe contava histórias muito antigas e tão fantásticas, que Scarlet não sabia o que eram nem quando o tinham sido. "Sim, Deus. Mrs Stone nunca te falou em Deus? Tanto tempo que lá passas, já te podia ter ensinado qualquer coisa de jeito, em vez de ler ou escrever..." Scarlet corou. "Mas Mrs Stone já me falou em Deus. Não percebi bem..." Mr Brown teve um ataque de tosse, quando parou cuspiu uma coisa avermelhada para o canto. Nos últimos tempos a sua saúde dera para aquilo. "Deus é grande sabes Scarlet? E está no Céu." "Eu olho muitas vezes para o céu mas nunca o vejo". "Porque aos nossos olhos parecem existir muitas coisas que no fim de contas só nos estragam a vida. É por isso que é impossível ver Deus com olhos de ver." A rapariga ficou um bocado confusa. Aquilo não parecia ser para ela. Só tinha 10 no final de contas. Sabia o que via e gostava de ver. Como poderia algo ser grande se não podia ser visto? "Mas Deus existe, senhor meu pai?". "Infelizemente Ele só parece existir quando nós queremos que ele exista. Eu acredito que Deus está sempre de uma forma ou de outra. Que faz e de nós não precisa para nada. Diz a Bíblia que o seu filho nos veio salvar. Foi em nome desse filho que os meus pais me trouxeram para o Inferno. Acreditas no Inferno Scarlet?" "Mrs Stone diz que Devils Floor é o Inferno" Mr Brown soltou uma gargalhada áspera que o fez ter de lançar trela apertada a um novo ataque de tosse."Não se enganou muito. Diz-se que o Inferno é um maléfico para onde partem as almas que em vida renegam a Deus. Um lugar de sofrimento. Porque se Deus é vida, em vida devemos viver para Deus. Depois da morte, devemos continuar com ele para que tudo o que foi vida não se perca e verdadeiramente vivamos. Mas mesmo no Inferno há vida. Pois quem lá está também viveu. Também estamos vivos apesar de Devil's Floor ser um pedaço do Inferno dado por Deus. Só Ele no-lo poderia ter dado em mãos." "Não estou a pereceber muito bem, senhor meu pai..." "Então decora, pois um dia perceberás" "Sim." "Espero que percebas algo que aos teus irmãos escapou. Quando os meus pais, assim como os outros colonos saíram de Inglaterra, como muitos outros, não tinham terra nem esperança. Tinham a vida que Deus lhes dera colada ao corpo. Nada os demoveu de do inferno criar um paraíso. Não havia sol que não lhes torturasse a pele. Eles mal tinham força para suportar o calor. Na Inglaterra faz um frio de rachar e não pára de chover. Mas o Inferno deles era outro. Não está certo virar depois as costas a Deus, pois não?" "Acho que não senhor meu pai" "Claro que não Scarlet. Nós não devíamos sequer poder respirar, Scarlet. Os teus irmãos fogem a um inferno que é só deles, e que deles será independetemente do lugar para onde fujam. Há coisas que são nossas por direito e que acabaremos por poder mudar ou por aprender a viver. E há coisas que são as que merecemos, e essas são as que nos perseguem. O que a nós pertence respira e para sempre o fará. Pois respira enquanto tu o fizeres. Não negues vida á vida que veio antes de ti e que dará vida por tu viveres. Se essa vida for o Inferno, pois que seja!" Mr. Brown não resistiu a uma nova onda de espirros de sangue, o que deu tempo a Scarlet para tentar assimilar o que lhe fora dito a partir da sua ainda curta experiência de vida e o seu fraco entendimento.
Mr Brown ainda tentou abrir de novo a boca, mas parecia que só o esforço que fazia em falar o matava. "Está bem, senhor meu pai?", inquiriu Scarlet a sentir uma crescente preocupação. Mr. Brown abanou a cabeça negativamente antes de tombar para o lado. Scarlet gritou. Foi ter com o pai a chamar por ele. A única resposta obtida foi um vago "Minha filha. Minha última filha." A rapariga de lágrimas nos olhos foi à porta chamar por Mrs Stone, e voltou para junto do pai. Porém quando a viúva se deparou com a cena e correu em busca de curativos já Ezequiel Joseph Brown não respirava.