Saturday, March 25, 2006

A Inocência tão pura do inferno

18 de Fevereiro de 1858. Scarlet Brown completava 10 anos.
A rapariga tornava-se cada vez mais bonita conforme o tempo ia passando, o que não deixava de ser uma preocupação para Mrs Stone. Whiteless era já um rapaz de 15 anos que não conhecia mais nenhuma rapariga, e a velha viúv começou a fazer os possíveis para o afastar da sua menina. Também Tom Brown lhe merecia alguma desconfiança, especialmente quando vagueava por Devil's Floor bêbedo que nem um cacho.
Porém aquele dia era o dia de Scarlet. Lá desencantara ingredientes suficientes para fazer um bolo e a pequena rapariga tivera uma das maiores alegrias da sua vida. "Porque só cá estamos nós as duas Mrs Stone? O pai? O tio? O Whiteless?" A viúva franziu o sobrolho. "Os dez anos de uma donzela festejam-se somente entre mulheres Scarlet." E a rapariga não questionou. Não se conseguia lembrar da última vez que comera um bolo, se é que alguma vez comera algum. Durante esse dia não ouvira uma única congratulação pelo aniversário. Na verdade nem se lembraria ddo dia do seu nascimento não fosse Mrs Stone lembrar-lho ano após ano. Mas estava-lhe a saber tão bem aquele serão passado com aquela senhora de quem tanto gostava, a rir e a brincar. Para todos os efeitos ainda era uma criança. Estava exausta quando se foi deitar. Quer do trabalho do campo, quer do extase da festa. Não se conseguia imaginar mais feliz. Olhou para a janela e viu Whiteless a espreitar. Desmascarado, desapareceu. Scarlet não percebia porque já não podia estar com ele tantas vezes como dantes. Dizia Mrs Stone, que os homens chegavam a uma idade a partir da qual já não eram dignos de confiança. Whiteless estava a chegar a essa idade. Mas para Scarlet, ele ainda era somente um rapaz, não um homem como o pai ou o tio. Apesar de Whiteless não ser propriamente inteligente Scarlet gostava muito dele: era o único com quem podia brincar, além de já não estarem juntos há bastante tempo. Ambos tinham sempre que fazer. Scarlet suspirou. Era mesmo dura a vida em Devil's Floor.

Mr. Brown tornava-se cada vez mais dependente dos outros. Aquela perna aleijada tornara-se um imenso estorvo. O seu único trabalho era o de dar ordens ao irmão, à filha e a Whiteless, na lide do campo. Mrs Stone suspeitava que a perna tivesse infectado por não ter sido tratado devidamente aquando a sua quebra, e passava o tempo a aborrecer Mr. Brown com isso, acusando-o permanente e indirecatmente de ser descuidado, ao que ele respondia também directamente, dizendo para ela se meter vida dela. Porém o velho sabia perfeitamente que a sua vida estava perto de dar o que pouco que ainda faltava para dar. Sabia-o porque sempre soube onde começava e onde acabava o seu corpo, logo sempre soube quando ia acabar a sua vida. A perna partida limitara-se a encurtar a distância. O seu maior medo era o que iria acontecer a Scarlet depois de morrer, apesar de nunca o dar a entender. Tinha medo que os abutres dos seus filhos a levassem de Devil's Floor. Por outro lado Whiteless era um puto ranhoso com cara de prevertido, e o seu irmão Tom... Apesar de ser sangue do seu sangue tinha de admitir que não era boa rez. Teria de ter, para com aquela que era a única que lhe merecia carinho, um papel mais activo na formação da sua personalidade. Não a queria a virar costas ao inferno de onde viera como tinham feito os irmãos.
O inferno não era nada, depois de conhecido o suficiente para poder ser segurado com as mãos. Ao fim e ao cabo depois das primeiras queimaduras, era sempre mais do mesmo. O Céu seria apenas uma questão de tempo. Quer se quisesses, quer não, sempre haveriam coisas que nunca deveriam poder respirar. Mas sendo um facto que elas existem, há que aprender com elas. Aprender a conviver com elas. Aprender a ser uma delas se tal fosse necessário.
Eram tudo coisas que teria de ensinar á filha antes de partir daquele seu infernal e maravilhoso mundo

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Continua mano...
Ganda abraço...

8:48 PM  

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