Tuesday, February 15, 2005

Devaneio

Ele julgara assim ter perdido, por fim, tudo aquilo que sempre julgou encerrar em si mesmo sem o saber. Achava-se perdido no meio das trevas que criara com o propósito único de se esconder da luz que o ilumina diariamente. Porque a luz fere, a luz queima e tortura e cansa os pensamentos quando deles mais ele tem necessidade. Porque ele anseia que se fechem as portas que lhe abrem o caminho ao mundo, que lhe dão acesso à escolha e ao terrível peso de decidir que escolheu algo que jamais poderá suportar. Ele escolhe o que mais lhe fere, escolhe o que não pode escolher, pois a morte não lhe figura nas escolhas. É a dúbia questão que se lhe afigura, que o tortura, e a resposta lógica a dar perante tal situação bizarra. Respondendo a quê? Questionando o quê? Sendo tudo aquilo que não se é, ele ansiou por ser mais do aquilo que sonhou, só que por o não ter sonhado, julga-se louco porque sabe que jamais o sonhará. Não o sonhando, não tem caminho que o conduza até lá. Mas também nada há que o conduza ao que sonha, talvez um caminho escondido haverá para aquilo que não sonha, já que não sonha com nada. Ele é um irónico fantasma vagabundo, pedinte que estupidamente disfarça as ambições pessoais de todos os seus trágicos papéis representados em versos de poemas inauditos. Ele sabe ser actor único da vida que não tem. Sabe ser figurante da vida que lhe desenharam numa tela repleta de pormenores. Simples mossa à superfície provocada por danos colaterais, como as ramificações de uma vida que não é sua, de um sonho que não sonhou, de um império que não é o seu, mas ao qual se sujeita e do qual aceita as ordens ditadas pela ímpia entidade sobre-humana encarregue dos destinos mortais, embora seu destino deles dependa. Sociedade coisa má. Sono de um mundo que há de vir. Memórias de um tempo que não é o seu, mas em direcção ao qual sente necessidade de fugir. Que fuja para si mesmo, que fuja para se encontrar e descobrir que se perdeu.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

E depois mano!?.... e depois!? Depois contia igual.... A n sonhar nd e a fugir.... mx e mxmo axim.... fica na paz...

3:55 PM  

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